Cometa bobagens.
Não pense demais porque o
pensamento já mudou assim que se pensou.
O que acontece normalmente,
encaixado, sem arestas, não é lembrado.
Ninguém lembra do que foi
normal.
Lembramos do porre, do fora, do desaforo, dos enganos, das cenas
patéticas em que nos declaramos em público.
Cometa bobagens.
Dispute
uma corrida com o silêncio.
Não há anjo a salvar os ouvidos, não há
semideus a cerrar a boca para que o seu futuro do passado não seja
ressentimento.
Demita o guarda-chuva, desafie a timidez, converse mais
do que o permitido, coma melancia e vá tomar banho de rio.
Mexa as
chaves no bolso para despertar uma porta.
Cometa bobagens.
Não compre
manual para criar os filhos, para prender o gozo, para despistar os
fantasmas.
Não existe manual que ensine a cometer bobagens.
Não seja
sério; a seriedade é duvidosa; seja alegre; a alegria é interrogativa.
Quem ri não devolve o ar que respira.
Não atravesse o corpo na faixa de
segurança.
Grite para o vizinho que você não suporta mais não ser
incomodado.
Use roupas com alguma lembrança.
Use a memória das roupas
mais do que as próprias roupas.
Desista da agenda, dos papéis amarelos,
de qualquer informação que não seja um bilhete de trem.
Procure falar o
que não vem à cabeça.
Cantarolar uma música ainda sem letra.
Deixe
varrerem seus pés, case sem namorar, namore sem casar.
Seja imprudente
porque, quando se anda em linha reta, não há histórias para contar.
Leve
uma árvore para passear.
Chore nos filmes babacas, durma nos filmes
sérios.
Não espere as segundas intenções para chegar às primeiras.
Não
diga “eu sei, eu sei”, quando nem ouviu direito.
Almoce sozinho para
sentir saudades do que não foi servido em sua vida.
Ligue sem motivo
para o amigo, leia o livro sem procurar coerência, ame sem pedir
contrato, esqueça de ser o que os outros esperam para ser os outros em
você.
Transforme o sapato em um barco, ponha-o na água com a sua foto
dentro.
Não arrume a casa na segunda-feira.
Não sofra com o fim do
domingo.
Alterne a respiração com um beijo.
Volte tarde.
Dispense o
casaco para se gripar.
Solte palavrão para valorizar depois cada palavra
de afeto.
Complique o que é muito simples.
Conte uma piada sem rir
antes.
Não chore para chantagear.
Cometa bobagens.
Ninguém lembra do que
foi normal.
Que as suas lembranças não sejam o que ficou por dizer.
É
preferível a coragem da mentira à covardia da verdade.
Pandora
Nenhum comentário:
Postar um comentário